Um sentimento, não pode parar

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Publicado em: 31/08/2010

Rubén Magnano

Eu cresci sofrendo. Podia ser no colégio escutando os colegas zombando do meu time de futebol sem títulos naquela obscura década de 90, início dos anos 2000 ou assistindo a seleção de basquete do Brasil naufragar nesses mesmos anos. Dizem que é na hora ruim que se vê a cara das pessoas, dizem que é na hora ruim que se cria fãs. Eu acho que é verdade, afinal, sou um fanático pelo meu time de futebol e de tanto ver a seleção brasileira de basquete perder eu fui praticar o jogo. Sim, na hora das vacas magras, derrota atrás de derrota, vexame atrás de vexame. Nem campeonato nacional existia direito.

Nesses tempos eu assistia APAVORADO um senhor de bigodinho do lado da quadra da Argentina. Aquele senhor que berrava e me parecia passar “huevos” (culhões) ao time por osmose realmente me deixava perplexo. Seus sistemas baseados em marcação pressão on-ball e flex-offense começavam a dar efeito por aí. Nunca vou me esquecer quando em 2002 2004 um narigudo careca meteu aquele peixinho épico no estouro do cronômetro contra a Sérvia e o senhor do bigodinho saiu correndo enlouquecido ao redor da quadra. Usain Bolt era pouca perna para aquele momento. Antes eu vi um touro de cavanhaque e dois pivôs que pareciam Jesus Cristo se aliarem a esse narigudo, ao senhor de bigodinho e a outros oito personagens que venceram os Estados Unidos ainda naquele Mundial de basquete. O título não veio mas eu confesso que se fosse da FIBA entregaria a taça na linha de chegada daquela corrida maluca do senhor de bigodinho. Nem que fosse dois anos depois.

Que se dane a taça, afinal, em 2004, o mesmo senhor de bigodinho, os pivôs que parecem Jesus Cristo (agora havia um terceiro), o touro de cavanhaque e outros oito guerreiros – que incluíam um armador sensacional que pouco fora aproveitado na NBA – conseguiram o maior logro desportivo do basquete sul-americano em décadas. A medalha de ouro olímpica. Ah, pelo caminho eles deixaram os norte-americanos mais uma vez perplexos. Vou ter que citar nomes, porque a cena de Alejandro Montecchia em cima da mesa de árbitros cantando “Soy Argentino, un sentimento, no puede parar” também não saiu da minha cabeça. O senhor de bigodinho estava ali, claro, não em cima da mesa, entretanto, cantando junto, um vencedor, um gênio.

E eu me perguntava: O que fizemos de errado? Quando vamos estar ali? Esse dia vai chegar? As mesmas perguntas que eu fazia minha infância e juventude inteira, afinal, eu já disse, eu nasci sofrendo.

Passaram seis anos, seis longos anos. Seis anos aonde não vi o Brasil ganhar uma partida contra times europeus em competições oficiais. Vi o Brasil cair pelos pedaços no Mundial do Japão e ficar de fora das Olimpíadas. Quando surgiu um espanhol mandão e corcunda ainda consegui vibrar com uma Copa América. Nada mais que isso. Em anos…

Até que de tanto pedir, falar, reclamar, vi o senhor de bigodinho trocar de lado. Sim, por incrível que pareça eu vejo desde sábado o senhor de bigodinho do lado da quadra do Brasil. Muitos gurizinhos precoces já falaram que a obrigação era título. Os mais sensatos puseram os pés no freio e avisaram: a tarefa é árdua, o caminho longo e nada será conquistado da noite pro dia, a não ser, claro, que o senhor de bigodinho passe culhões por osmose.

Hoje ele provou que sim. Hoje eu vi o senhor de bigodinho que continuava berrando, gesticulando. Os personagens mudaram. Ele não comanda mais os pivôs parecidos com Jesus, o mito narigudo e todos aqueles gênios argentinos da geração dourada. Ele comanda um time que voltou a suar sangue. Tem um armador que em momentos lembra aquele armador argentino, afinal, além de comandar as ações na quadra parece passar despercebido pelo mundo NBA. Os pivôs não parecem Jesus Cristo, entretanto, há no banco uma cabeleira sentada e um loiro alto que faz mágica com os pés. Há o experiente chutador de três, o ala improvável que vira herói e claro, Leandrinho. Ele não é o narigudo, porém, marcou e atacou com uma qualidade de gigante.

Novamente contra os americanos, sempre eles. Os reis do jogo. Mas e o senhor de bigodinho? Sim, o senhor de bigodinho sempre está no caminho e agora conosco. O senhor do bigodinho armou uma rotação, um sistema de ataque e uma defesa forte que fizeram LeBron James ficar apavorado via twitter como eu ficava vendo aqueles argentinos coperos dando aula em 2002 e 2004. O senhor do bigodinho não terminou o jogo correndo, afinal, faltou alguma coisa. Não sei exatamente o que foi. Pode ter sido alguns daqueles contra-ataques que não conseguimos finalizar durante o jogo, pode ter sido uns lances-livres a mais ou uma falta a menos em Huertas ou Splitter. Pode ter sido alguma daquelas bolas de três que teimaram em não cair nos minutos finais. Pode ter sido a bola chorada de Huertas ou um dos seus lances livres faltando 3 segundos. Pode ter sido até aquela última bola do Leandrinho. Não sei. Nem quero saber. Eu sei que eu vi um bando virar um time. Vi promessas virarem realidade. Vi o Brasil fazendo frente aos Estados Unidos para perplexidade do mundo. Não ganhamos e nem sei se vamos ganhar alguma coisa, entretanto, o jogo da década está aí. Hoje o Brasil pode ter começado sua retomada ao topo do basquete mundial. O senhor de bigodinho do lado da quadra eu já vi, agora quero ver alguém em cima da mesa cantando com um triunfo, afinal, é um sentimento que não pode parar. E esse Brasil não pode parar.

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