Sobre histórias e legados

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Publicado em: 17/05/2010

Poucas vezes assistimos a mídia patrocinar uma queda de pedastal tão grande quanto a de Lebron James nos últimos dias. Duas semanas atrás ele recebia seu segundo prêmio de MVP em meio a múltiplos protestos por conta dos 7 votos que impediram uma eleição unanime. Então a série contra os Celtics se alongou (uma derrota em casa no jogo 2 no dia da entrega do prêmio, um triplo duplo espetacular de Rajon Rondo no jogo 4 que tornou a série uma melhor de 3, etc.) e finalmente Lebron teve uma partida especialmente ruim no jogo 5 e foi como se o mundo acabasse. Os especialistas se pronunciaram: Lebron James nunca mais seria o mesmo. O jogo 6 contra os Celtics não seria uma simples partida de eliminação, mas definiria o legado do craque. Em caso de vitória dos Celtics, Lebron deixaria de ser o próximo Jordan e se tornaria o novo Karl Malone.

Entendamos que a reação não surgiu de nada. A participação de James no jogo 5 foi mesmo incomum. Não é tanto que ele jogara mal, já que sequer fora a pior partida dele contra os Celtics numa semifinal de conferência (no jogo 1 em 2008 sufocado pela defesa dos futuro campeões arremessou 2-18), mas a natureza especifica da má atuação. O que ofendeu a muitos (“é como se ele tivesse tirado algo de nós” alguém observou no twitter depois) foi a forma desinteressada com que Lebron se postou na quadra: sumindo por longos períodos (nunca antes havíamos presenciado múltiplas posses dos Cavs sem nenhuma participação dele), se perdendo em rotações defensivas, não compensando a péssima pontaria da noite (2-11 de média e/ou longa distância) ao partir para cesta (seus únicos pontos próximos à cesta vieram numa enterrada de contra ataque em que o maior mérito foi do passe longo de Mo Williams que pegou a defesa dos Celtics descoberta) ou usar sua visão de quadra para achar companheiros. Dada a importância do jogo o tom despreocupado com que se portava em quadra era mesmo

Lebron foi mais ativo no jogo 6 e a despeito dos 9 turnovers teve um impressionante no papel 27-19-10 que pareceram tudo menos isto na prática. Talvez nada exemplifique estas duas partidas de James como a seqüência no último quarto em que após acertar 2 cestas de 3 seguidas e cortar a diferença de para 4 pontos (seu melhor momento no jogo), ele passa uma bola para Anderson Varejão, que perde a bandeja. Os Cavs nunca mais são os mesmo, Celtics puxam a diferença para 14 e game over. Neste momento Kevin Durant salta um twitter curioso que define a partida de Lebron: “se eu acerto aquelas duas bolas de 3, eles me obrigam a arremessar as próximas 5, perguntem ao Westbrook e Harden”. O tom passivo de Lebron James ao longo dos dois jogos realmente não condizia com a expectativa em torno do título de “melhor jogador do mundo”.

Isto dito: um jogo ruim e outro medíocre justifica o apedrejamento público posterior? Há sempre uma pressa muito grande por boa parte da mídia de traçar julgamentos definitivos. Sim, esta série pode vir a ser vista como o equivalente na carreira de James de que a série contra os Rockets em 95 para David Robinson. A palavra mais importante aí é pode. Pensemos na trajetória de dois outros jogadores que são grandes unanimidades: Magic Johnson (a quem o jogo de James se assemelha mais que qualquer outro) e Kobe Bryant (a quem ele estará sempre ligado). Johnson levou um título e foi MVP de finais na sua temporada de rookie e seguiu colecionando títulos e liderando os Lakers pelo resto da década, uma trajetória de sucesso sem grandes percalços certo? Magic dois anos após seu primeiro titulo com um contrato milionário em mãos forçou a demissão do muito bem visto técnico Paul Weshead e mais tarde em 84 cometeu alguns erros capitais nas finais contra os Celtics. Em meados dos anos 80, Magic Johnson era um talento sem igual, mas também um milionário arrogante e mimado com poder demais e ainda por cima não muito confiável em momentos importantes. Na altura da aposentadoria precoce? Outros três títulos (mais dois vices) e manter os Lakers relevantes enquanto Kareem Abdul Jabbar finalmente decaía e o elenco de apoio não era reposto à altura e ninguém se lembrava mais disso. A reputação de Magic se tornou tal que meio mundo até se esqueceu que Kareem era o principal jogador dos Lakers na primeira metade dos anos 80.

Kobe é um caso mais recente mas talvez por isso mesmo cercado de uma amnésia coletiva ainda maior. Se o General Manager dos Lakers Mitch Kupchak lentamente não remonta seu elenco de apoio, qual seria o lugar de Kobe Bryant na história? O sujeito fominha que desmontou uma dinastia dos Lakers para que pudesse arremessar 30 bolas por jogo em paz. Bryant. Durante o que deveria ser seu auge físico ele carregava times com Smush Parker, Luke Walton e Kawne Brown enquanto entregava estatísticas ofensivas espetaculares. Muito mais para um novo George Gervin do que para o hype de novo Jordan do começo da sua carreira. Os Lakers só não trocaram Kobe para os Bulls em setembro de 2007 porque Bryant usou sua cláusula de veto (e não por amor à camisa, mas porque não sobraria quase talento nenhum no time do Bulls após a troca). Três anos atrás tudo indica que a diretoria dos Lakers via com bons olhos um pacote de Kirk Hinrich, Luol Deng e uma futura #1 por Kobe Bryant. Hoje esta idéia é uma completa insanidade.

Nada disso é para desmerecer Bryant, exatamente o oposto: ele foi espetacular durante os anos negros entre Shaq e Gasol, mas nunca recebeu o credito que merecia porque a percepção sobre ele mudou. Depois a mídia nos inundou com histórias tolas sobre o amadurecimento dele para justificar porque ele subitamente voltou a ser um nome quente. Kobe Bryant foi espetacular em 2001 quando os Lakers montaram a melhor sequencia de 16 jogos da década, espetacular em 2006 quando dividia a quadra com Kwane e Smush e espetacular em 2009 quando finalmente foi o melhor jogador de um time campeão. Só nossa percepção sobre ele mudou. Ocasionalmente ele fazia algo que nos irritava como fãs de basquete? Claro, mas isto vale em todos estes momentos. E o mesmo pode ser dito sobre Lebron James. Sim, os Celtics o fizeram parecer humano. Desta vez é impossível dizer que a culpa é exclusiva do seu treinador ou companheiros. Mas nada do que aconteceu semana passada invalida os seus dois prêmios de MVP ou coloca seu futuro questão. Lebron James segue o que sempre foi: atleta espetacular com condições de dominar na defesa e no ataque e uma visão de jogo incomum para um jogador do seu tamanho e alguns dos mesmos defeitos de sempre (dominar a bola em excesso, um pouco apaixonado demais pelos seus números expressivos, etc). Assim como era completamente injusto julgar Magic em 84 ou Kobe em 07, é um erro fazer o mesmo com Lebron hoje. As reações apressadas dizem mais sobre as nossas necessidades do que sobre o jogo de James.

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