Globo no basquete: a instituição imaginária da sociedade

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Publicado em: 24/01/2009

O basqueteiro desavisado que, com pouco tempo para o almoço, se atualiza assistindo o mais importante programa esportivo da televisão brasileira certamente se surpreendeu quando nos últimos dias, o Globo Esporte apresentou uma série de reportagens que “ensinam” os fundamentos do jogo. O roubo de bola com Duda é o meu preferido. Alfredo Lauria me garantiu gostar mais do Shilton ensinando a rebotear.

Aquele um pouco mais avisado vai se lembrar da criação da liga que pretende refundar o basquete nacional e da plataforma fundamental que garantiria o sucesso da empreitada: “temos a Globo de parceira”. Na fala retirada do Bala na Cesta do chefão da Globo no setor de esportes, Luiz Fernando Lima, um indicador do que consistiria tal associação:”Temos a obrigação de informar o público sobre a modalidade e ver o que vai acontecer daqui pra frente. Inicialmente vamos apenas nos aplicar na cobertura, pois acreditamos no crescimento do interesse na modalidade. Vamos seguir o exemplo do vôlei, que cobrimos há mais de 25 anos e hoje é um sucesso. Queremos criar um impacto. O contrato prevê a possibilidade de transmissões, mas é difícil que isso aconteça em TV aberta nesse momento. É um investimento na exposição mesmo que seja apenas em reportagens”.

Se os valores ainda sejam desconhecidos (inclusive por parte dos dirigentes interessados), algumas das pautas do acordo são notórios. A começar, pelas aparentemente inofensivas e bastante “expositivas” aulas de fundamentos, mote do texto que aqui segue. A transmissão das partidas, como avisava Lima, só em tv fechada, às quartas e sextas.

Medida aparentemente simpática aos fãs da bola laranja, a prática expõe o padrão-globo-de-jornalismo: a criação do que é noticiário. Sem querer cair em um clichê tão básico da crítica pela avidez ao lucro (crítica clichê, mas extremamente necessária, diga-se) que os bacharéis do mercado vão insistir em ironizar, me parece mais um dos casos em que a emissora pratica o comércio dos fatos. Estivesse realmente interessada no basquete, a emissora carioca dedicaria mais que os patéticos um minuto e trinta e cinco segundos ao segundo esporte mais popular do mundo. Okay, no país do futebol, pedir mais que isso é gritar mudo. Pois insisto que, houvesse algum interesse no nosso esporte, o Globo Esporte não poderia ignorar o Paulista de Basquete, maior competição do basquete nacional dos últimos tempos e às vésperas de sua decisão, para mostrar Duda roubando bolas do irmão Marcelinho num esforço visivelmente tosco de massificação através da criação de ídolos. O tal “compromisso com a cobertura” só nasce agora? E os últimos anos de absoluto descaso com o que acontecia no esporte? É ou não uma confissão explícita do Manual do Jornalismo Global?

Na vida pessoal ou na política, na comédia e na tragédia, há um apelo fantástico quando as estruturas podres buscam um ressurgimento com o mito da refundação. Só o basquete brasileiro, por exemplo, foi “refundado” algumas vezes nos últimos anos (de cabeça: a NLB, a Supercopa, a chegada de Moncho e agora a NBB). Mas o único trunfo que tem nas mangas a liga do “poderoso” Kouros é ter a Globo de parceira e a tal “visibilidade” que esta pode trazer.

Tenho de ser justo: o acordo com a Globo, por mais desconhecido que possa ser, não pode ser pior que os outros que a liga tinha na mesa para decidir. Em matéria de Jorge Corrêa para a UOL, há a informação de que “A ESPN Brasil, conjuntamente com a BandSports, fez uma proposta de transmissão de um grande número de jogos, mas sem o pagamento de direitos, ideia que não foi aceita. “Nós sempre nos levantamos para apoiar o basquete. Transmitimos a Nossa Liga e a Supercopa [torneios paralelos ao Nacional da CBB], e nunca tivemos lucro com isso”, disse Carlos Maluf, gerente de aquisições do canal por assinatura”.

O que há de errado então em aceitar a proposta da Globo? Essa resposta só pode ser completa quando for divulgado o contrato estabelecido com a emissora. Mas parcialmente, olhando o cenário disponível, só se pintou duas opções: virar refém global ou premiar a fidelidade da ESPN sem cobrar direitos de transmissão. Nenhuma das duas me parece minimamente aceitável. Os homens do nosso basquete escolheram a primeira.

E explico o motivo pelo qual deixar nas mãos da Globo o nosso basquete não é uma opção viável.

Alguém realmente acredita que foi a parceria com a Globo que fez o vôlei poderoso? O investimento pesado na base, a capacitação formidável dos treinadores, a criação dos centros de excelência, somado ao nível exterior bem longe do competitivo em esportes como tênis, natação, basquete e judô, por exemplo, não seriam indicadores mais próximos da razão pelo alcance de potência? Não? Experimente então dizer o nome de cinco equipes que jogam a Superliga.

Para além disso: a Superliga de vôlei não pode servir de paradigma. Por um motivo em especial: ela se criou por campeões olímpicos. A nossa nasce sequer com atletas que consigam ser olímpicos. A Superliga não é gestora do vôlei que conduziu às gloriosas conquistas, é produto. Quando começou, em 94/95, já vinha amparada com o peso de campeões olímpicos. O sucesso veio antes nas quadras, jogando em alto nível e contra os melhores do mundo.

A tal parceria com o mais rico canal do país só seria a salvação de nosso basquete se o problema fosse de exposição. Ainda que fosse, 1:35 por dia talvez equipararia o apelo da bola laranja ao do glorioso Beach Soccer ou os interessantíssimos duelos do vôlei-de-praia. Falando nisso, alguém consegue lembrar cinco duplas deste tão célebre esporte que é “parceiro” global?

A Globo não tem nenhum “compromisso” com o basquete. Ela é uma emissora privada que, como entidades deste tipo, só pode visar o lucro. Os clubes, falidos, aceitaram qualquer migalha, porque com a tal “visibilidade” fica mais fácil acertar com um patrocionador de 20 mil por mês e trazer um americano para dominar o garrafão.

A nossa crise é técnica e, enquanto não se entender que passa por problemas estruturais do modo de ver, pensar, gerir e jogar basquete, as tentativas seguirão vãs. O que me parece, objetivamente, é uma inversão de sujeito e predicado: não é a notícia quem deve criar o basquete, mas sim o basquete criar a notícia. Se não, o mito da refundação nasce com a sempre estranha síndrome do Estocolmo: um refém dependente, com duas transmissões semanais, um site comandado pela competente trupe do Globo Esporte.com (quem acessava o endereço da liga nos últimos dias era redirecionado ao site de “Basquete” do Portal -> www.novobasquetebrasil.com.br) e 1:35 de espaço diário instituindo ídolos de barro.

Guilherme Tadeu de Paula

Editor do Draft Brasil

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