Em nome do basquete, o Beabá de verde

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Publicado em: 23/05/2010

Há dezenas de enfoques dos quais se faz possível partir análises para contar a história da série em que os Celtics vão demolindo qualquer esperança do Orlando Magic de repetir o título da Conferência Oeste Leste. Os mais previsíveis vão se apoiar na eterna explicação que nada explica dos “matchup desfavoráveis”. Essa grandeza, para quem se apóia nessa visão de jogo baseada no 1-1, é a razão principal pra tudo que aconteceu no mundo de basquete desde que Naismith encontrou uma utilidade mais digna para uma cesta de frutas.

Mathcups

Tem quem desmereça o que se faz ao longo dos tediosos meses de temporada regular e reduz esse talentoso time da Flórida a uma equipe que não cresce na hora que precisa. Ou quem culpe a falta de arsenal ofensivo do superman Dwight Howard. A apatia do milionário Rashard Lewis tem sido alvo primordial, dado o sumiço do versátil ala-pivô nas últimas duas semanas. Vince Carter e Stan Van Gundy são os alvos prediletos de quem vai nessa linha de encontrar defeitos no time que vai perdendo. De certa maneira, concordo com todos, uns mais, outros menos.

Como concordo com quem glorifica os velhinhos de Boston. Quietinhos ao longo do ano, cansaram de abrir grandes vantagens e entregar partidas. Faltou intensidade, motivação, e até bola, em boa parte dos meses. Faço coro inclusive pra quem acha que é Rondo o nome da série, dono das ações ofensivas do time de Doc Rivers, e, principalmente, mandatário do tempo de jogo, chave principal para qualquer duelo (muito mais que os tão aclamados “matchup”, onde, diga-se Rajon encontra um talentoso oponente em Nelson).

Eu iria por outros caminhos. O primeiro, sem dúvida, passa por uma das cabeças mais esquisitas que passou pela NBA nos últimos: Hedo Turkoglu. No ano passado, nessa mesma altura, o ala turco que passou anos brilhando em Sacramento e foi discreto no time campeão dos Spurs alçou vôo ao status de estrela de uma grande equipe. Seu fracasso nessa temporada em Toronto apressou os críticos a dizerem que era o sistema de Orlando que fazia com que o turco fosse tudo aquilo. Não estão inteiramente errados, assim como não estão nem perto da verdade. Cabe aqui os preceitos mais rasteiros da dialética: bem como Turkoglu fazia o Orlando Magic melhor, Orlando Magic fazia Turkoglu melhor. A ruptura fez mal e bem às ambas as partes.

magic

Fez bem ao Turko porque, enfim, fez o contrato de sua vida. Jamais receberá algo parecido do que recebe ao acertar com o time canadense. Ao Orlando, renovar pelo que ele pedia soava absurdo uma vez que poderiam trazer, com aquele espaço, pelo menos 4 jogadores de alto nível, entre eles Vince Carter. Pra piorar, o compromisso assumido com Lewis fazia com que, se Orlando entrasse num contrato desses, as possibilidades à longo prazo fossem praticamente engessadas.

Mas na medida em que ambos seguiram o caminho certo com a ruptura, ambos fizeram um péssimo negócio. O primeiro, ainda que tenha agradado à esposa, que segundo consta, foi quem pediu para morar em Toronto, desagradou profundamente a torcida canadense com um basquete que não honrava aquilo que recebia na folha de pagamento. Ora, convenhamos. Turko é um jogador que precisa de adrenalina. Na temporada regular e seus extensos 82 jogos, com um time inconstante, ele será esse jogador modorrento que se arrastou ao longo do ano. Ao Orlando, restou acertar com um punhado de jogadores: Matt Barnes, Brandon Bass, Ryan Anderson e Vince Carter. Orlando foi um pouco mais longe que o jogador turco, mas a maneira com que definha nos playoffs não dá nem de perto a impressão de que se deu bem nessa história toda.

Turkoglu

Aliás, a maneira como os fãs de Orlando lidaram com esse troca-troca e, sobretudo, com a presença de Vince Carter no time azul e branco, me lembrou um pouco quem paga cinqüenta reais para assistir um show de standup, desses que os caras do CQC estão fazendo ao redor do país. Por mais fraca que seja a piada – e elas aparecem em profusão, eles tinham de rir, afinal, encararam o ônus do negócio.

Pois depois de duas séries absolutamente incontestáveis, o Orlando virou piada agora, quando enfrentou um time claramente superior em todos os aspectos do jogo. Mas olha lá, não me venham com “falar agora é fácil”. Ninguém tem que prever o que pode acontecer, a não ser que viva disso, como Mãe Dinah e Walter Mercado. Aliás, quem tentou prever, acabou se dando muito mal:

experts picks

E tem mais: o nível tático que predomina na NBA não deixa nenhuma dúvida em um sentido: um time jogando um basquete medíocre pode sim chegar ao título. Cavs e Magic tinham todas as chances de fazê-lo nesta temporada e tropeçaram neste Boston.

Sim, ainda que equipes distintas em quase todos os fatores que envolvem a montagem de um time, Cleveland e Orlando padeceram de um mal parecido: uma leitura um pouco tosca do que é basquete. Se a primeira apostava em um jogo centralizado em uma peça fundamental e pedia que todos os outros jogadores funcionassem à seu dispor, a segunda buscava no desequilíbrio a partir “insideout” a razão de todo sistema. Se no ano passado, Turko era o toque de imprevisibilidade, este ano tudo o que o Orlando Magic faz é óbvio e previsível. Funcionou por duas séries. Funcionaria se o adversário fosse de Ohio.

Carter

Mas em nome do basquete, ressurgiram os boleiros do Celtics. Pois pra mim é assim que devemos olhar esse time de verde em quadra. Doc Rivers não é um comandante disciplinador que controla as ações da equipe na tentativa de manutenção de um sistema superior que vença. Ele simplesmente permite que os seus boleiros apareçam e joguem juntos. Uma receita simples e básica: basquete não é um jogo de matchups, mas um jogo coletivo que é jogado com cinco contra cinco em todas as posses de bola – ou pelo menos em boa parte delas.

Os Celtics não procuram, a todo custo, o desequilíbrio na base dos mismatches. Mesmo os picks, talvez mola fundadora desse jogo chatíssimo que tem predominado na NBA, apenas antecedem outras rotações ofensivas em que a busca não é pela estrela, ou pelos números, mas simplesmente por um companheiro livre. O simpático gordinho Glen Davis desponta em um jogo, no outro é o genial Rajon Rondo, comandante máximo do basquete coletivo. Em outro, um dos potentes atiradores, Allen ou Pierce, emerge. Lá dentro, ou Perkins, ou Rasheed Wallace, ou Kevin Garnett, na medida em que o jogo solicitar. Isso é, em seus aspectos mais básicos, o que é basquete: dispor de armas que consigam entender as necessidades de serem usadas e assim aparecerem. Ou no professorês que os treinadores adoram: jogar coletivo para o individual sobressair. Beabá. Nada demais, nada de menos.

Foto da manchete – Boston Globe

Guilherme de Paula
guilhermetadeudepaula@gmail.com

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