Ameaça de morte não para a Seleção Feminina de basquete da Somália

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Publicado em: 3/03/2013

Em 2011, foi realizado na cidade de Doha no Qatar, o “Arab Games”, uma espécie de Jogos Panamericanos do mundo árabe. Obviamente que o basquete marcou presença, tanto masculino quanto feminino. É de se imaginar que o basquete no Oriente Médio ou na África não seja um primor de qualidade técnica, mas um time em especial chamou a atenção naqueles jogos por causa de tudo o que envolveu e significou participar da competição: o time feminino de basquete da Somália.

Comemorando a vitória contra o Qatar. Crédito: Facebook

Comemorando a vitória contra o Qatar. (Crédito: Facebook)

Pois é, Somália, um país tão longe do centro do capitalismo e, infelizmente, tão esquecido pelo mundo. Antes de contar a história do time das meninas, é necessário fazer uma breve – e porca – contextualização histórica. Em 1969, após o processo de descolonização pelo qual passou a Somália durante a década de 1960, o general Mohamed Siad Barr deu um golpe militar, ocupando o governo pelos próximos 20 anos. Em 1991 ocorreu o golpe sobre o golpe, facções armadas, os Senhores da Guerra, derrubaram o governo (na boa, nomes como esse só são legais em jogos como God of War, na Somália significava a personificação do terror). Logo depois o país mergulhou em uma Guerra Civil, com cada facção querendo o poder para si. Em 2000 uma reunião com delegados somalis marcou o ponto de partida para tentar buscar a paz, houve a criação da Assembléia Nacional e a decretação de Abdulkassim Salad Hasan como presidente do país. Entretanto, apesar da formação do novo governo, alguns grupos armados dissidentes mantiveram a situação de guerra. Em 2004, outro encontro tentou por fim aos conflitos com os Senhores da Guerra. A partir deste ano houve crescente influência das leis islâmicas no país, surgindo, na esteira, milícias armadas islâmicas. Em 2006 os últimos Senhores da Guerra foram derrotados, no entanto, em contrapartida, a influência de grupos islâmicos radicais cresceu bastante. Como pouca paz é bobagem, as milícias radicais resolveram declarar guerra contra a Etiópia. A Somália foi invadida pelo país vizinho, a situação que já era terrível, ficou ainda pior. O cessar fogo entre as duas nações foi alcançado em 2008. Em 2009 a Etiópia se retirou do país e a oposição islâmica moderada conseguiu ocupar a maior parte do Parlamento recém-formado, barrando um pouco a influência dos radicais, mas sem acabar com as milícias islâmicas contrárias ao novo governo, a mais significativa delas atende por Al Shabab (guardem esse nome).

Para vocês terem uma ideia das conseqüências para a população de todo esse cenário caótico é só digitar “Somália” no Google Imagens. O Horror, o horror.

Foi nesse cenário de guerra – e contando com uma infra-estrutura muito, mas muito precária de basquete – que, em meados de 2011, as meninas da seleção feminina da Somália foram convocadas para treinar visando o Arab Games em dezembro do mesmo ano. Havia jogadoras da própria Somália e algumas que viviam nos EUA, Canadá, Reino Unido e Alemanha. Todavia, militantes do Al Shahab, assim que souberam do fato, deram um ultimato à capitã do time, Suwayz Ali Jama: ou as jogadoras desistiam de jogar basquete ou seriam mortas.

Suwayz Jama Ali. Crédito: Facebook

Suwayz Jama Ali. (Crédito: Facebook)

Vejamos que a ascensão de radicais islâmicos teve influência decisiva na prática de esportes no país, pois em 2006, uma Corte Islâmica (Islamic Courts Union – ICU, formada por milicianos islâmicos) responsável por fiscalizar uma corrente interpretativa mais radical dos preceitos do islã, determinou pela proibição da prática de qualquer esporte por mulheres. Foi um golpe duro no basquete feminino (até então o esporte preferido das mulheres no país). Para se ter uma idéia da influência dessa proibição, quase 200 jogadoras profissionais de basquete desistiram do esporte por medo de represálias. Praticamente uma liga inteira! Mesmo que a força do ICU tenha diminuído no final de 2006, quando perdeu o controle da capital do país, Mogadíscio, suas decisões ainda se fazem sentir pela atuação de seu braço armado, a tal milícia Al Shahab.

Diante das ameaças, a própria Suwayz Ali Jama externou, para o veículo IPS News Agency, o sentimento comum entre as jogadoras:

“Eu apenas morrerei quando minha vida chegar ao fim. Ninguém pode me matar, exceto Alá. Eu nunca vou desistir da minha profissão enquanto estiver viva”.

“Atualmente sou jogadora, mas mesmo quando eu me aposentar eu espero ser técnica. Eu vou parar com o basquete apenas quando perecer”.

Apesar do medo e da ameaça real de morte, as jogadoras não se intimidaram e, sim, demonstrando enorme coragem, passaram a treinar na quadra da Academia de Polícia de Mogadíscio. Paramentadas com roupas leves e algumas com o tradicional véu, treinavam 2h por dia, exceto nas quintas e sextas, fim de semana islâmico. Durante a prática, eram protegidas ora por policiais ora por uma guarda armada contratada pela Federação.

Jogadoras treinando para o Arab Games Crédito: Shafi´i Mohyaddin Abokar/IPS

Jogadoras treinando para o Arab Games. (Crédito: Shafi´i Mohyaddin Abokar/IPS)

Quando dezembro chegou, a ansiedade para a estréia no Arab Games era grande. Havia 6 times no torneio feminino, em que todos jogavam contra todos. No primeiro jogo, realizado dia 08 de dezembro de 2011, a Somália entrou em quadra contra o Egito, tomou um sacode monumental, perdendo por 90 a 24. Na segunda partida, contra as donas da casa, Qatar, o time conseguiu uma vitória muito comemorada, por 67 a 57. Sobre este jogo, a ala-pivô Khatra Mahdi, disse à CNN:

“Palavras não podem descrever o que eu senti. Nós estávamos todas comemorando, havia lágrimas nos olhos das garotas, a história foi escrita lá”.

Na continuidade do torneio, o time conseguiu uma vitória contra o Kuwait e perdeu os jogos para a equipe medalha de ouro, Líbano, e para a Jordânia. Terminou em 4° lugar.

O resultado final é o que menos importa. É inimaginável tudo que essas jogadoras tiveram que enfrentar para jogar o Arab Games: a fome, a seca, a guerra, ameaças de morte, a terrível infra-estrutura, o banimento das mulheres do esporte, o exílio.

O time no Arab Games Crédito: Facebook

O time no Arab Games. (Crédito: Facebook)

Acredito que o esporte de alto rendimento seja ultrapassar os limites do corpo, enfrentar a dor, unir o trabalho metódico e diário dos treinos com a improvisação na hora do jogo. Mas dificilmente vemos provações tão extremas como as quais essas meninas passaram para poder jogar o esporte que tanto amam e defender seu país tão castigado e injusto. E muito me alegra saber que o time disputou outro torneio em 2012, o Zone Five Challenge Cup. Desejo, do fundo do coração, vida longa as garotas e a sua seleção.
Perfil do time no Facebook: http://www.facebook.com/pages/Somalia-Women-National-Basketball-Team/111068955677732

A campanha no Arab Games: http://rs.arabgames2011.qa/ENG/ZB/ZBB101A_BK@@@@@@@@@@@@@@@ENG_number=19.htm

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